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sexta-feira, julho 27, 2012

“O Estado tem ainda recursos humanos muito reduzidos”


O presidente da Associação Fiscal Portuguesa, Rogério Fernandes ferreira.



Rogério Fernandes Ferreira afirma que o reduzido número de recursos humanos tendo em conta o elevado volume de processos faz com que os representantes da Fazenda Pública vão a julgamento mal preparados e sem conhecimento do processo.
Que balanço faz da justiça tributária em Portugal?
A justiça tributária em Portugal mantém ainda defeitos que há muito lhes são apontados, como a falta de celeridade dos tribunais tributários e a elevada burocracia dos serviços. Por outro lado, a tendência é para os custos de acesso à justiça aumentarem, os de contexto e as taxas propriamente ditas, o que não pode ser visto com bons olhos. Não obstante, a maior preparação dos juízes nestas matérias e os impulsos da Troika abrem caminho a melhores perspectivas
A litigância está a aumentar? Porquê?
A Administração tributária tem feito grandes progressos, do ponto de vista da arrecadação da receita, propulsionados pela informatização de procedimentos e processos e pelo reforço dos recursos humanos disponíveis. Neste sentido, existe uma maior fiscalização por parte de uma administração cada vez mais actuante. Esta situação gera também um maior número de correcções e de liquidações adicionais, mas também, consequentemente, um maior número de contribuintes que discordam com a actuação do fisco. Neste sentido, nos últimos tempos temos assistido a um aumento da litigância fiscal que tem precisamente a ver com o aumento dos processos executivos instaurados e com o facto de a Administração fiscal estar mais actuante e ter meios de controlo dos contribuintes bem mais rápidos e sofisticados.
Por que é que o Estado ainda perde muitos processos contra os contribuintes?
Essa quantificação está em boa parte por fazer. O Estado, sobretudo os seus defensores, tem ainda, actualmente, recursos humanos muito reduzidos tendo em conta o volume processual e os meios ao dispor dos contribuintes. Isto faz com que muitas vezes os representantes da fazenda pública vão a julgamento mal preparados e, muitas vezes, mesmo sem efectivo conhecimento do processo. Por outro lado, os representantes da Fazenda pública não são advogados, o que faz com que muitas vezes não estejam suficientemente preparados para o contencioso tributário. Por fim, e devido ao facto do sistema informático estar então pouco desenvolvido, durante muitos anos a Administração Tributária efectuava as liquidações de imposto com muito atraso, o que gerou muitas situações de ilegalidades mais formais, como as decorrentes da caducidade do direito à liquidação dos impostos.
A arbitragem tributária é um bom instrumento?
A arbitragem fiscal constitui uma via alternativa de resolução de litígios, através de terceiros que se pretendem neutrais e imparciais - os árbitros tributários - cuja decisão tem o mesmo valor jurídico que as decisões judiciais. Tem genericamente como objectivo uma maior celeridade processual e, em certa medida, algum descongestionamento dos tribunais judiciais, para além de uma maior flexibilidade em matéria de formalidades processuais, tendo uma crescente importância na resolução de litígios em diferentes áreas do direito, em particular na resolução de litígios internacionais e litígios decorrentes da actividade comercial e, agora, de forma inovadora, também em matérias tributárias. Neste sentido, a arbitragem tributária é um instrumento que se pode vir a revelar útil. No entanto, os custos da arbitragem ainda são elevados.
Como vê o processo que está a ser feito pelas Finanças de avaliação das casas para actualizar o IMI?
É previsível o aumento do IMI devido em 2012 e pago em 2013 em virtude da avaliação geral dos prédios urbanos que vai ser empreendida até ao final do ano de 2012 e do aumento das taxas do IMI e que deviam, como previsto no memorando da Troika implicar redução do IMT
Com esta avaliação é mais que previsível o aumento do Valor Patrimonial Tributário da maioria dos imóveis, valor esse que serve de base para o cálculo do IMI devido. Ora, aumentando o VPT do imóvel, aumenta também o imposto devido, num valor que será provavelmente excessivo e que implicará mais despesa pública autárquica. Mais do que razões de aumento de receita fiscal autárquica e de equilíbrio financeiro deviam estar subjacentes motivações que se prendessem com a recuperação de imóveis desabitados e degradados e, sobretudo, com o incentivo do mercado do arrendamento e do mercado imobiliário, um dos sectores mais afectados com a actual crise económica. Num país como o nosso, com 6 milhões e meio de prédios para 4 milhões e meio de agregados familiares, pelo que o objectivo deste aumento parece ser o de diminuir as segundas habitações e incentivar os proprietários a recuperar os prédios que se encontrem mais degradados, como referido. Esperaria uma palavra junto do poder local, no sentido da diminuição do IMT, tal como previsto também no Memorando da Troika, por forma a incentivar as ditas transmissões e o mercado imobiliário, já algo estagnado, e a atenuar o forte aumento do IMI decorrente quer da diminuição das isenções, quer do aumento das próprias taxas aplicáveis e, agora, também, desta avaliação geral.

Como vê a decisão do Tribunal Constitucional de considerar inconstitucional o corte de subsídios para a Função Pública?
Como uma decisão que, simultaneamente, cria um problema e deve ser respeitada. De acordo com a mesma, o diferente tratamento imposto ultrapassa os limites da proibição do excesso em termos de igualdade proporcional, pelo que terá de ponderar-se agora o recurso a soluções alternativas para a diminuição do défice, tais como uma nova sobretaxa de IRS ou um aumento da taxa do IVA ou, ainda, uma reavaliação dos benefícios e incentivos fiscais, se se tiver, como é provável, de ir também pela via da receita tributária.
Qual poderá ser agora a redução?
A medida que o governo deverá tomar passará, provavelmente, por um misto, dos dois lados, quer da receita, quer da despesa. De qualquer forma, o problema da inconstitucionalidade pode não ficar resolvido, já que poderão ficar em causa outros princípios como o da proporcionalidade ou da confiança. A solução devia passar por um maior controlo e diminuição das despesas do Estado, sobretudo ao nível regional e local, mas também de certos institutos públicos e do sector das EPE, o que, infelizmente, não tem sucedido nos últimos naos - e não é fácil -, mais do que pela via da receita fiscal e que a execução orçamental demonstra que se está a esgotar.
Por outro lado, a cortar-se nos funcionários públicos, parece-me que esse corte deveria passar por um emagrecimento do número de Funcionários Públicos e por uma maior liberalização dos despedimentos por justa causa e não por uma redução salarial que teria certamente como consequência a desmoralização dos trabalhadores do Estado e a saída em massa dos funcionários públicos (sobretudo os quadros mais qualificados).
Do lado da receita, pode onde pode conseguir-se receita adicional?
A solução do lado da receita poderia passar ainda por um aumento do IVA. No entanto, a taxa já aumentou para 23 por cento e a receita não corresponde já à previsão orçamental. Para se optar por uma solução desta natureza, seria então útil que houvesse uma reformulação mais estrutural do próprio IVA, optando-se por uma taxa única que, pelo menos, resolvesse outro tipo de problemas que resultam da diversificação das taxas e que permitisse aproximar a taxa de IVA portuguesa da espanhola, dando margem de manobra para o futuro. Mas o Governo pode vir a optar uma nova sobretaxa de IRS , esta teria de ser mais transversal e observar todos os princípios constitucionais, nomeadamente esse da igualdade. Poder-se-ia então discutir se será legítimo aplicar uma sobretaxa apenas a rendimentos de trabalho ou pensões e não a aplicar a rendimentos de outra natureza como mais-valias ou rendimentos de aplicações de capitais. De qualquer forma, haverá ainda margem em sede de reavaliação de beneficio e de incentivos fiscais, aproveitando para simplificar procedimentos e regras fiscais.

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